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  • Luciano

PERGUNTAS INFANTIS E MÉTODO CIENTÍFICO

A curiosidade da criança é fundamental para abrir o caminho para o conhecimento. Uma pergunta respondida de maneira inteligente e sensível por um adulto é o trampolim para o surgimento de novas perguntas e condição para que a criança cultive o desejo de aprender. - por Juliana Bonora

Quem tem filhos pequenos sabe o quanto a criança é um ser curioso. Essencialmente curioso. As crianças estão sempre buscando respostas para aquilo que observam e vivenciam. Uma pesquisa publicada pelo site britânico Littlewoods mostrou que as crianças de cerca de 05 anos de idade fazem em média 300 perguntas por dia ao adultos que acompanham. Nesse processo, eles constroem o próprio conhecimento e ampliam a consciência que tem sobre si mesmas e sobre o mundo que as rodeia, construindo, pouco a pouco, a forma como o percebem.

Bom seria se essa sede por conhecimento não se apagasse com os anos vividos e se nós, adultos, nos mantivéssemos potencialmente curiosos e criativos. Talvez assim nossa sociedade pudesse ser um lugar de mais perguntas, mais ideias e mais diversidade.

Para Jean Piaget, um dos principais estudiosos do desenvolvimento infantil, a construção do conhecimento se dá de "dentro para fora", por meio de um processo de maturação biológica. É como se a criança manipulasse a realidade que a envolve para entendê-la. Seu impulso para conhecer é o impulso para incorporar o espaço que nos rodeia. In-corporar que dizer colocar para dentro do corpo. Assim é aprendizagem. Procuramos aprender o mundo que nos cerca a fim de poder apreendê-lo.

Os cientistas e as crianças tem algo em comum: inquietam-se com as coisas que não conseguem explicar, testam hipóteses, experimentam, gostam do prazer das descobertas e, por isso, buscam respostas incansavelmente. Eis aí a essência do método científico.

No imaginário popular, a ciência esta longe de ser algo cotidiano. Pesquisas mostram que a imagem do cientista construída por crianças e adolescentes é a figura de um homem, quase sempre usando jaleco branco, trabalhando em um laboratório com vidrarias e mergulhando em cálculos e fórmulas que poucos poderiam entender.

Segundo Marcelo Gleiser, importante físico brasileiro, a ciência é mais do que conhecimento acumulado do mundo natural. Na verdade, para ele, a ciência seria um estilo de vida ou mesmo um propósito coletivo de crescimento como espécie em um ambiente com tantos mistérios a ser revelados.


A criança pode certamente estar interessada em classificar coisas pelo prazer de classificar, e ordenar coisas pelo prazer de ordenar, etc., quando a ocasião se apresenta. Entretanto, no geral isso se dá quando ela tem acontecimentos ou fenômenos para explicar ou objetivos para atingir em uma situação intrigante em que as operações sejam as mais exercitadas. - Piaget e Garcia, 1987

As crianças percebem o mundo com todos os sentidos. Querem ver, tatear, cheirar, sentir o gosto, ouvir o som. O mundo é um campo inesgotável de experiências a serem exploradas. Ainda possuem sensibilidade aflorada e capacidade de se assombrar diante do banal. Tudo é espantoso: uma minhoca, um ninho de passarinho, uma concha de caramujo, uma flor desabrochando, o zunir das cigarras, uma pipa no céu, o arco-íris, a lua.

Diante disto, é essencial que as crianças tenham a possibilidade de explorar espaços naturais ao ar livre. Esses espaços são desafiadores, constituem-se em um sistema aberto, campo irradiador de experiências sensíveis que extrapolam qualquer programação curricular. Criança precisa botar o pé na terra, olhar para o céu, sentir o vento, brincar com água!

Segundo Gimael e Aguiar (2013), a "criança quer e precisa ter vivências reais e saudáveis". O contato das crianças com a diversidade de materiais que a natureza oferece é um condutor de experiências sensíveis que se estende sob um território infinito de variedades de texturas, densidade, volume, fluidez, porosidade, solidez, cor e som.

Na primeira infância, quando o interesse natural do ser humano pelo mundo está a pleno vapor, cada criança constitui-se em um terreno fértil para explorações e descobertas.

Rubem Alves, em seu livro Conversas sobre educação, nos relata uma experiência interessante, realizada por José Pacheco, educador português e diretor da escola da Ponte. Ele pediu aos alunos de sua escola que escrevessem numa folha de papel as perguntas que provocam sua curiosidade e ficavam rolando dentro de suas cabeças, sem resposta. O resultado foram perguntas do tipo: Por que o céu é azul? Para onde vou depois que morrer? Por que há vento? Quem foi que inventou o português? Por que a chuva cai em gotas e não tudo de uma vez? Por que a vida é justa com poucos e injusta com muitos?

Entusiasmados com a inteligência das crianças, ele resolveu fazer a experiência com os professores. O resultado foi surpreendente: os professores só fizeram perguntas relativas ao conteúdo dos seus programas. Os de Geografia fizeram perguntas sobre os acidentes geográficos, os de Língua Portuguesa sobre gramática, os de História sobre fatos históricos, os de Matemática propuseram problemas de matemática para serem resolvidos, e assim por diante.

Podemos observar nas perguntas feitas pelas crianças que elas tem uma sede imensa de conhecimento. Já as perguntas dos professores revelam que sua curiosidade se limitou à área de sua atuação, não ousaram transpassar seu universo conhecido.

Em seu livro Pedagogia da autonomia, Paulo Freire diz que é imprescindível instigar constantemente a curiosidade da criança em vez de "amaciá-la" ou "domesticá-la". Isso facilita que a criança vá assumindo o papel de sujeito da produção de sua inteligência do mundo e não apenas o recebedor da inteligência que lhe seja transferida pelo adulto.

Atualmente dispomos de um amplo conhecimento do desenvolvimento do cérebro infantil que justifica a necessidade de encorajar e manter essa curiosidade inata da criança. A neurociência já comprovou que as informações transmitidas que não tenham significado real à criança quase sempre serão esquecidas em um curto período de tempo. Mas quando a inquietação intelectual e o prazer pelo saber tomam corpo, a criança vivifica aquele conhecimento dentro de si.

Nem todas as perguntas que as crianças fazem são simples - às vezes, nem os adultos conhecem as respostas ou podem até mesmo se constranger na hora de explicar. Pode surgir uma insegurança, uma dúvida: será que estou respondendo certo? É importante pensar que nem todas as perguntas tem resposta exatas. Imaginar que a ciência tenha todas as respostas é um erro.

Devolver a pergunta com a outra, de modo que a criança seja desafiada a pensar é uma boa estratégia que geralmente oportuniza boas descobertas. Meu filho de 07 anos, alguns dias após a morte de sua avó paterna, me perguntou: "Mãe, existe um lugar no céu para onde vão as pessoas ´morridas´?" Eu não sabia como responder, fiquei por alguns segundos em silêncio, pensando. E agora, respondo o quê? Resolvi devolver a pergunta: "O que você acha filho?". Não havendo uma resposta direta e conclusiva fácil para a pergunta que ele tinha feito, a questão ficou em aberto, possibilitando que ele lançasse várias hipóteses e pensasse sobre o assunto.

Outra sugestão quando não se sabe a resposta para uma pergunta "cabeluda" é convidar a criança para pesquisarem juntos. Uma ótima oportunidade para vivenciarem momentos de descobertas e convivência, afinal, haja repertório para responder, em média, 300 perguntas por dia!


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